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Quando a saúde sabota a minha felicidade

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 25 de julho de 2016 · 6 mins read
Quando a saúde sabota a minha felicidade
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Os últimos dois meses têm sido emocionalmente complexos para mim. Após meses de luta permanente, a ansiedade tornou-se corrosiva e levou-me a cair num novo ciclo misto (relacionado com o meu problema de saúde) que, por sua vez me retira a capacidade de ter sonos descansados e consequentemente arrastei o meu estado de saúde e a minha sanidade mental durante algumas semanas.

Ansiedade

Felizmente, neste momento, já estou à procura das ferramentas certas para voltar ao caminho. Uma delas passa pela minha introspecção, que me dá imensos métodos para agora e para futuro. Porém, isto não é verdade para todo o tempo e em muitos momentos não o consigo fazer. Existem vezes que sou dominada pelo pânico que me controla e esgota, o pânico que me controla a mim e todos os meus pensamentos, nessas alturas não consigo encontrar ferramenta alguma. Preciso sentir o mundo antes de dar um passo, um sentir que dói muito, mas muito, que me faz chorar até não poder mais e desesperar comigo mesma. Este sentir que me esmaga no infinito, me comprime até ser nada.

Perco me nesse cruel sentir, e ali eu fico. Aproveito momentos em que estou ligeiramente mais consciente para me construir em cima desse pânico existencial, pois é quando realmente sou capaz de tomar uma acção. Aproveitar variações positivas para contrapor as negativas. Estar sozinha, dentro de água, ou num abraço são alguns meios. Mas para isso, preciso reencontrar o mundo. Depois penso no que me acontece e no porquê. O porquê é uma pergunta de resposta muito vasta, mas é me importante pensar sobre as potenciais causas, coisas que terei de estar alerta no futuro, coisas que devo enfrentar e questionar. Uma delas é a minha própria felicidade.

O factor comum entre todo o conjunto de coisas que me aconteceram nestes meses é um sentimento positivo… felicidade. A minha crise foi contra mim, bateu me dê frente e disse-me que não podia ser feliz, porque não mereço. É a minha saúde a falar. A culpa de ser feliz é maior do que a própria felicidade. Eu não posso ser feliz, é o que o meu raciocínio diz, não posso, não me é permitido. Fico em pânico, deixo de dormir, o meu humor começa a oscilar a um ritmo bastante acelerado e instável, vou-me esgotando, ciclo viciado. Não posso ser feliz. As inseguranças começam a aparecer, existir é posto em causa, lutar é posto em causa. Ser quem sou é posto em causa… Num curto espaço de tempo sou outra pessoa, não me reconheço e desapareço no nada.

O que me faz este pânico? O que me faz ter que digerir de uma forma tão.. Cruel a minha existência? Porque não sou indiferente a quem sou, ao mundo, à minha história e a tudo o que me toca. O meu cocktail de histórias de existência é limítrofe e viver continuamente em questão, traz-me reflexos da minha evolução desde que tenho memória, reflexos de uma instabilidade que tento dia após dia compensar e lutar. Eu não posso existir porque não existo.

Começar o dia a rir e acabar a chorar tem sido corrente, luto com tudo o que consigo. Procuro ajuda, mas por vezes é difícil pedir. Há coisas difíceis de explicar sem ouvir “isso passa, pensa positivo” quando a minha sintomática leva-me exactamente a não conseguir pensar de forma coerente (fico sem vitalidade para viver). Quando a única coisa que penso é na loucura e neste estado não há controlo. Essa ajuda não pode ser anuladora do que sinto, dado que desespero mais depressa. A minha experiência deve ter o valor que lhe dou, não pode ser mais nem menos que ninguém, nem melhor nem pior que ninguém, porque é só minha. Entender a boa intenção das palavras torna se difícil, quando tudo o que se ouve só me faz sentir mais culpa, o outro consegue e eu estou assim? Culpa. O outro faz e eu não? Culpa. O outro tem energia e eu não? Culpa. O outro já passou e está cá? Culpa. Existem palavras adequadas a momentos de reflexão, mas não nestes momentos de fragilidade em que tudo serve para justificar a minha anulação. Preciso que o outro tenha um papel neutro. Por isso momentos solitários são me importantes, afasto me das boas intenções que me prejudicam. Momentos solitários permitem-me escrever sobre mim, pensar sobre mim e colocar-me novamente na linha de pensamento mais justa. Readquirir a minha própria definição de felicidade.

Não enfrento estes processos sozinha, na medida em que tomo alguma medicação que me é importante no imediato, dado que me ajuda a estar num estado em que a euforia/depressão não têm um papel tão demarcado no meu dia a dia. Passo a ter mais momentos calmos e que me permitem pensar mais lentamente sobre o que me vai acontecendo. Porém, são tempos em que as minhas emoções também desaparecem, sinto-me mais distante das pessoas e deixo de as conseguir interpretar tão bem. É quase como um contracto, uma solução de compromisso. Eu preciso disto para me realinhar, mas temporariamente não consigo chegar a ninguém e tenho dificuldades que cheguem a mim. Tem um impacto colateral grande nas relações que tenho, o que é um problema. Porém tem um efeito temporário benéfico na minha saúde. É um mal necessário para bem do meu futuro.

Acredito que nos últimos meses o que me aconteceu foi derivado da soma de várias questões diferentes, anexada a uma fragilidade de saúde mental que provocaram uma queda acentuada no meu estado de saúde. Porém, tem-me custado pelo facto de tudo o que acredito desaparecer, a minha não anulação pessoal é um exercício que passa a ser mais intenso. A minha auto estima desaparece, a minha auto confiança desaparece, deixo de ser capaz de ler pessoas e a precisar do estimulo visual/verbal repetido para as entender. Ao mesmo tempo, os sentimentos positivos conquistados, tornam-se o meu maior peso. Transformam-se nas minhas maiores dificuldades e depressa estou num registo em que me sinto pequena, muito pequena.

No fim, escrever é-me importante, mantenho o meu diário, mantenho rascunhos, traços perdidos com palavras e bocados de memórias. Este próprio texto é um reflexo desse exercício e por isso acredito que a sua construção um pouco confusa também seja ela resultado de como internamente a minha cabeça vai funcionando. Sinto-me, apesar de tudo, a melhorar. Sei que nos próximos dias ainda vou ter alguns momentos menos bons (já conheço demasiado bem os meus sintomas), mas acredito já ter conseguido dominar parte do problema. Os meus últimos dias têm sido constituídos por exercícios mentais permanentes para reforçar a minha felicidade e a minha noção de estar. Preciso de conquistar essa força, esse espaço. Preciso de me sentir existir novamente.

Dani

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma