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Nem sempre é sobre andar para trás.

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 23 de maio de 2023 · 4 mins read
Fotografia de uma forma em espiral sem fundo em tons de cinza
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“Nem sempre é sobre andar para trás.” Nos últimos dias tenho-me dito imensas vezes esta frase. No último artigo (A loucura, a minha loucura) falava sobre a loucura, do modo como me apropriei desta palavra para descrever certos estados em que encontrei imensas vezes. Referi também o medo que se me entranha ao estar num período de bem estar. Com estes momentos vem também a vontade de ir mais longe no meu auto-conhecimento, mais profundo e a recordar momentos mais difíceis. É parte do meu processo chegar a esses momentos e conseguir assegurar que irei viver com eles da melhor forma possível.

Sou invadida pela angústia, pelo medo, pela falta de força para viver e estar no mundo. Depressa revejo-me em determinadas épocas da minha vida e isso reforça ainda mais a minha angústia e medo. Entro num ciclo perverso, um circuito que não me deixa sair, entro numa espiral em queda para o fundo dos meus pensamentos mais intoleráveis. A luta torna-se imperativa e sair desta estrada torna-se um desafio de outro mundo. É uma estrada sem fim. A batalha é, neste momento, comigo mesma. Sem fatores externos que me deixem particularmente vulnerável, é neste momento, a minha vulnerabilidade que entra neste processo.

“Nem sempre é sobre andar para trás.” Não. Porque não estou a dar passos para trás, nem terei de fazer uma viragem de 180º neste caminho. Simplesmente não se trata de andar para trás nesta estrada. É, na realidade, a confrontação comigo própria, com o de mais impiedoso e traiçoeiro que há na minha racionalidade e emocionalidade. É o conflito entre as minhas emoções, vivências e memórias corporais que surgem ambíguas e ambivalentes. Procuro assim, neste momento, acreditar que estou numa posição em que o trajeto é para continuar, deixando fluir e permitir-me sentir todas estas sensações da forma mais clara possível para poder, com isso, saber pedir a ajuda necessária para atravessar este momento.

Confesso que não tem sido fácil, nada fácil. Nesta última semana fui a duas sessões de curtas metragens no Festival Mental, em Lisboa, e foi positivo para mim ver e ouvir testemunhos de pessoas com sentires e percursos parecidos com os meus. Sentir-me não sozinha neste mundo, não incapaz e não menos. Reconhecia em cada palavra e em cada imagem o seu significado, a sua repercussão na vida do dia a dia, nos ciclos, nas barreiras e fantasmas contínuos. Naquilo que é um sentir-me numa zona de medo, numa zona de solidão e vivências transversais a muitas pessoas, infelizmente.

Gostaria de poder dizer que este processo é linear, mas não o é. Dá-se muitas curvas, dá-se muitos saltos, contorna-se muitos obstáculos e por vezes vai-se contra eles, esmagando-os com custos para ambas as partes. Este curso é sinuoso e não faz mal admitir que o é. Por vezes esqueço-me disso e nego-me essa realidade. Quero dizer, entender-me na loucura é também perceber-me como um agente desconexo da minha própria realidade, sem nunca a deixar. Não são simplesmente estados de felicidade e/ou tristeza. São estados de uma felicidade eufórica e destrutiva, de um temperamento vil para comigo mesma, de um arrasamento emocional e da saída do concreto. São estados de uma tristeza profunda e infinita, de um cansaço acima do esgotamento, do derrame energético e da saída do presente. Ou por vezes, uma mistura de ambos os estados.

As flutuações que tenho hoje em dia já não se comparam às que tinha há 10 ou 15 anos, mas mesmo com o acompanhamento adequado que tenho, podem acontecer com mais ou menos intensidade. Ser consciente das minhas limitações nestes períodos é aprender a amar-me mais. Ser tolerante para comigo própria, ser amiga de mim mesma. Entender que não vou ter tanta energia emocional, que não vou conseguir socializar da mesma maneira, que me vou cansar fisicamente mais rápido, que vou ter um raciocínio adulterado pelos meus próprios vícios. No fundo, vou estar um pouco diferente sem deixar de ser a mesma pessoa.

Não há cura para doença Bipolar, nem mudanças definitivas que me façam escapar à Perturbação de Personalidade Borderline, porém há caminho que posso fazer. Interior e exterior. Posso aprender, acima de tudo… posso aprender. Posso escutar-me, posso empatizar comigo e compreender-me. Nada disto é uma tábua de salvação, mas é a forma mais segura que tenho de viver comigo.

Porque no meio da guerra emocional em que estou, eu vivo e existo.

Dani

Imagem: espiral - Enric Vidal i Famadas

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma